terça-feira, 5 de novembro de 2013

Por que jogos na alfabetização?

Muitos estudiosos, como Quintiliano, Erasmo, Rabelais, Froebel, em diferentes épocas, têm defendido a ideia de que precisamos promover um ensino mais lúdico e criativo”, surgindo, assim, a noção de brinquedo educativo”. A esse respeito Kishimoto (2003, p. 36) mostra-nos que:


O brinquedo educativo data dos tempos do Renascimento, mas ganha força com a expansão da Educação Infantil [...]. Entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa, o brinquedo materializa-se no quebra-cabeça, destinado a ensinar formas ou cores; nos brinquedos de tabuleiro, que exigem a compreensão do número e das operações matemáticas; nos brinquedos de encaixe, que trabalham noções de seqüência, de tamanho e de forma; nos múltiplos brinquedos e brincadeiras cuja a concepção exigiu um olhar para o desenvolvimento infantil e materialização da função psicopedagógica: móbiles destinados à percepção visual, sonora ou motora; carrinhos munidos de pinos que se encaixam para desenvolver a coordenação motora; parlendas para a expressão da linguagem; brincadeiras envolvendo músicas, danças, expressão motora, gráfica e simbólica.

Na alfabetização eles podem ser poderosos aliados para que alunos possam refletir sobre o sistema de escrita, sem, necessariamente, serem obrigados a realizar treinos enfadonhos e sem sentido. Nos momentos de jogo as crianças mobilizam saberes acerca da lógica de funcionamento da escrita, consolidando aprendizagens já realizadas ou se apropriando de novos conhecimentos nessa área. Brincando, elas podem compreender os princípios de funcionamento do sistema alfabético e podem socializar seus saberes com os colegas.

No entanto é preciso estar atento para o fato de que nem tudo se aprende e se consolida durante a brincadeira. É preciso criar situações em que os alunos possam sistematizar aprendizagens, tal como propõe kishimoto (2003, pp. 37/38):

A utilização do jogo potencializa a exploração e construção do conhecimento, por contar com a motivação interna, típica do lúdico, mas o trabalho pedagógico requer a oferta de estímulos externos e a influência de parceiros, bem como a sistematização de conceitos em outras situações que não jogos.

Nesse sentido o professor continua sendo um mediador das relações, precisa, intencionalmente, selecionar os recursos didáticos em função dos seus objetivos, avaliar se esses recursos estão sendo suficientes e planejar ações sistemáticas para que os alunos possam aprender de fato.

Mrech (2003,p.128) também defende tal ideia, quando diz que “brinquedos, jogos e materiais pedagógicos não são objetos que trazem em seu bojo um saber em potencial. Este saber potencial pode ou não ser ativado pelo aluno”, ou seja, não podemos esquecer que é o professor que faz as mediações entre os alunos e os recursos materiais que disponibiliza, sendo necessário, portanto, que tenha consciência do potencial desses materiais.

Para selecionar os jogos a serem usados o professor pode, inicialmente, fazer um levantamento das brincadeiras conhecidas pelas crianças. Verá que muitas delas brincam com a língua, quando cantam músicas e cantigas de roda; recitam parlendas, poemas, quadrinhas; desafiam os colegas com diferentes adivinhações; participam do jogo da forca, de adedonha (também chamado de “Stop ortográfico” ou “animal, fruta, pessoa, lugar”) ou de palavras cruzadas; dentre outras brincadeiras. Ou seja, o professor pode se valer dos jogos que as crianças já conhecem e que, juntamente com outros que ele introduzirá, ajudam a transformar a língua num objeto de atenção e reflexão.

Como defendem Debyser (1991) e Vever (1991), entendemos que os “jogos de linguagem”, tão freqüentes nas mais variadas culturas, permitem introduzir, na sala de aula, um espaço de prazer e de ampliação das capacidades humanas de lidar com a linguagem, numa dimensão estética, gráfica e sonora. Vever (1991, p.27), ao enforcar especificamente os “jogos com palavras”, observa que este tipo de atividades tem uma essência de materialidade lúdica.

Segundo o autor:

...(tal materialidade) torna os signos palpáveis nos damos conta de que as palavras não são feitas apenas de fonemas e grafemas, mas de sons e de letras, e que estes sons e estas letras, dialogam de uma palavra a outra, em correspondências tão polifônicas que os sentidos acabam sempre misturando-se e embaralhando-se. (...) Brincar com as palavras torna-se, então, jogar com substância da expressão: sons, letras, sílabas, rimas... e com os acidentes de forma e de sentido que esta manipulação encerra.

Mas razões de outra ordem também nos levam a considerar, seriamente, a necessidade de usar tais jogos, de forma intensa, no início da escolarização. Diferentes estudos, realizados tanto no Brasil como no exterior, apontam a adequação de a instituição escolar promover, desde o último ano da educação infantil, aqueles jogos que levam à reflexão sobre palavras, rimas e sílabas semelhantes (Morais, 2004). Os ganhos alcançados se comungam com evidências de que a consciência fonológica – num sentido amplo, que não se restringe à noção de “consciência fonêmica” – deve ser promovida durante o processo de alfabetização formal.

Concebendo que a consciência fonológica é um conjunto de habilidades necessárias, mas não suficientes para que o aprendiz se alfabetize, ao iniciar crianças pequenas em situações que lhes permitam conviver com a escrita alfabética como um sistema notacional julgamos mais adequado incluir a reflexão fonológica num amplo conjunto de atividades de “reflexão sobre o funcionamento das palavras escritas” (Morais, 2006). Desse modo, os aprendizes são ajudados a começar a observar certas propriedades do sistema alfabético (como ordem, a estabilidade e a repetição de letras nas palavras), ao mesmo tempo em que, divertindo-se, analisam as semelhanças sonoras (de palavras que rimam ou têm sílabas iniciais ou mediais iguais), bem como examinam a quantidade de partes (faladas e escritas) das palavras (Morais; Leite, 2005).

Em lugar de uma concepção de treinamento, propomos um ensino que permita aos alunos tratar as palavras como objetos com os quais se pode brincar e, de uma forma menos ritualística, aprender.

Manual Didático

Jogos de Alfabetização