domingo, 8 de setembro de 2013

As práticas cotidianas de alfabetização: o que fazem as professoras?

Os autores desse estudo mostram que o ensino da leitura e da escrita sofreu diversas mudanças ao longo da história.


E que apesar das radicais mudanças teóricas produzidas, estudos recentes demonstram a manutenção de práticas didáticas tradicionais nas formas de alfabetizar, tanto crianças como adultos (Oliveira, 2004; Moura, 2001).

Segundo os autores, na área de alfabetização, no Brasil, encontramos nas duas últimas décadas uma verdadeira “revolução”. Eles viram que, o ensino da leitura e da escrita feito com base no treino das habilidades de “decodificação” e “codificação” do alfabeto tem sido duramente criticado há mais de 20 anos. Tanto nos textos acadêmicos como nos documentos oficiais, investigadores de vários campos passaram a questionar radicalmente o ensino da leitura e da escrita fundamentado no desenvolvimento das habilidades já mencionadas e com o apoio de materiais pedagógicos que priorizavam a memorização de sílabas e palavras ou frases soltas (Marinho,1998; Mortatti, 2000).

Constataram também que no campo da psicologia, os estudos sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1979), trouxeram contribuição que passou a ocupar lugar especial, inclusive materiais pedagógicos produzidos pelo Ministério de Educação para a formação dos professores. Como aquela teoria demonstrou que as crianças se apropriam do sistema alfabético de escrita por meio de um processo construtivo, passou-se a defender que aprendam interagindo com os textos escritos. Isto é, o ensino deveria centrar-se em práticas que promovessem a reflexão sobre como funciona o sistema de escrita alfabética (SEA) e nas quais os aprendizes se apropriassem da linguagem convencional dos diferentes gêneros textuais escritos.

No campo das investigações psicolingüísticas, os autores esclarecem que estudos que examinaram a relação entre habilidades de consciência fonológica e o êxito na alfabetização apontaram a necessidade de promover na escola, desde a etapa de educação infantil, oportunidades de reflexão sobre as palavras como seqüências de segmentos sonoros. Como observa Moraes (2004), tal perspectiva tende a conceber a escrita alfabética como um código, cuja a aprendizagem continuaria sendo interpretada como resultante de mecanismos de discriminação, perspectiva e memorização. Segundo Moraes, essa seria a razão que levaria distintos partidários do treino em consciência fonológica a defender a adoção de métodos tradicionais de alfabetização – como o método fônico -, sem prescrever que os aprendizes vivam práticas sistemáticas de leitura e produção de textos reais nas etapas iniciais da escolarização, apontam os autores.

Nesse ínterim, os autores observam que, na década de 1990, outra perspectiva se consolidou no Brasil: o tratamento do ensino da leitura e da escrita como práticas de letramento. Depois a ação docente: a importância de considerar a alfabetização um processo de apropriação (reconstrução, do ponto de vista cognitivo) do SEA e a necessidade de considera-la também como prática de letramento ou imersão na cultura escrita.

Os autores informam que Moraes e Albuquerque (2005) examinaram as mudanças observáveis nos novos livros de alfabetização, substitutos das cartilhas. As análises realizadas demonstram que vários livros recomendados pelo Ministério da Educação não propunham um ensino sistemático da escrita alfabética. Tendiam, sim, a apresentar um leque muito variado de textos, de gêneros bastante distintos, o que indica uma evidente preocupação em letrar ou aproximar os novos aprendizes da cultura escrita e que além disso, quase nunca propunham tarefas ou atividades que promovessem a reflexão metafonológica das crianças, o que sugere baixa influência dos estudos sobre consciência fonológica na recente didatização da alfabetização no Brasil.

Nesse contexto, os autores examinaram a dimensão didática das práticas adotadas pelos professores para alfabetizar seus alunos: que conteúdos e atividades costumavam priorizar para ensinar a notação alfabética, que práticas de leitura e produção de textos escritos costumavam desenvolver e como vinculavam, em seu ensino, esses dois domínios de conhecimento (notação alfabética e apropriação da linguagem dos gêneros escritos).

Consideramos, também, que a análise das práticas de alfabetização apresentadas aqui permitiu ver a influência do imaginário e de certo discurso pedagógico hoje dominante no campo da alfabetização, esclarecem os autores. O fato de que menos da metade das professoras que eles acompanharam investia no ensino sistemático da notação alfabética demonstra urgência da reflexão sobre os efeitos do discurso que critica a redução da alfabetização a estratégias de “codificação – decodificação”, que parece priorizar a imersão na cultura escrita (o letramento), no que seria suposta uma “ação reparadora” para com os alunos de meios sociais desfavorecidos logo nas etapas iniciais da escolarização. Como enfatiza Soares (2003), estaríamos deixando de tratar as especificidades da alfabetização como aprendizado de um objeto (escrita alfabética) que requer metodologias de ensino específicas.

As docentes acompanhadas na investigação, concebiam estar desenvolvendo um ensino diferente e inovador, afirmam os pesquisadores, mas que no entanto, não asseguravam um ensino voltado ao domínio da notação alfabética, para que seus alunos pudessem tornar-s em curto prazo leitores minimamente autônomos na tradução da notação escrita.

Através dos dados analisados os autores puderam constatar que o desconhecimento pormenorizado do cotidiano da sala de aula e do perfil as professoras alfabetizadoras por parte dos que geram prescrições (acadêmicos, autores de propostas curriculares e de livros didáticos) constituiria, portanto, um obstáculo para a efetivação de inovações viáveis, que permitam alfabetizar (no sentido estrito da notação alfabética) com êxito, e ao mesmo tempo, garantir a iniciação das crianças no mundo da cultura escrita.

Fonte: As práticas cotidianas de alfabetização:

o que fazem as professoras?*

Eliana Borges Correia de Albuquerque

Artur Gomes de Morais

Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Psicologia e Orientacao Educacionais

Andréa Tereza Brito Ferreira

Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Educacao

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